Carlos Roberto - CRS Palestrante
A vida, os sentimentos e impressões em prosa e verso
Textos
O MENDIGO PIANISTA

O velho piano estava colocado dentro da loja de antiguidades. Quem sabe dizer quantas canções foram evocadas daquele instrumento, quantos corações se emocionaram com acordes das lindas composições de Gershwuin, Tchaikovsky, Chopin, Debussy.... Agora, ali estava o velho instrumento à mercê de algum antiquário, afinal de contas na atualidade as pessoas valorizam mais um piano elétrico que produz inúmeros timbres e ocupa menos espaço. Aquele piano, por sua vez, tinha aparência aristocrática.

Avelino, o responsável pelo estabelecimento, estava dando uma ajeitada no fundo da loja e nem percebeu quando um indigente entrou e foi direto ao piano e, instintivamente, após retirar uma flanela azul que protegia toda a extensão das teclas  assentou-se na banqueta.

Depois de algumas escalas rápidas, o maltrapilho começou a tocar Odeon de Ernesto Nazareth e a essa altura, Avelino que havia ensaiado mentalmente uma forma de mandar o homem embora, não teve coragem para fazê-lo, afinal, o homem não estava importunando ninguém, pelo contrário, demonstrava intimidade e desenvoltura ao executar o instrumento.

Mal terminou a primeira música e o homem começou a tocar "Luzes da Ribalta" e seu olhar se fechava a cada frase musical.

Avelino sorriu desajeitadamente para o anônimo maltrapilho e este, percebendo a ausência de reprovação, continuou tocando divinamente o piano enquanto grossas lágrimas rolavam em suas faces. Depois de meia dúzia de canções instrumentais que chamavam a atenção dos passantes, o homem limpou a garganta e fez a introdução de “What A Wonderful World” e com uma voz rouquenha cantou integralmente a canção, com dicção que faria inveja a Louis Armstrong. Avelino ficou boquiaberto, sem entender como uma pessoa daquelas foi parar na sarjeta.

O homem encerrou a música e com aqueles olhos,ainda chorosos, apanhou a coberta ordinária que deixara ao pé do piano, fez um gesto de agradecimento a Avelino e em seguida saiu apressadamente.

Avelino nunca mais o viu, mas jamais esquecerá daquele indigente que lhe ofereceu o show mais emocionante de sua vida.
Carlos Souza
Enviado por Carlos Souza em 01/07/2010
Alterado em 01/07/2010
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