Neste dia Internacional da Mulher, faço uma homenagem a todas as mulheres de verdade, aquelas que não têm nome de fruta ou hortaliça, mas são batalhadoras, guerreiras e que jamais se prostram.
À noite ou de dia, em casa, nos prontos socorros, nas portas das escolas lá estão elas correndo com os filhos, dando a vida por eles. Outras, sem filhos, mas com garra e determinação, lutam pela valorização no emprego, lutam contra os assédios sexuais e morais, são todas heroínas.
A homenagem que faço, fica encarnada no texto que escrevi para minha mãe há quatro anos, mas que serve bem para todas as mulheres de valor. Minha mãe, mulher corajosa, uma heroína! Durante o dia, sua ocupação era o trabalho na Lavanderia Real, propriedade de um casal de suecos, situada na Rua Ana Cintra, no bairro dos Campos Elíseos. Ela arranjou aquele trabalho e em pouco tempo notabilizou-se como funcionária que trabalhava com perfeição passando as roupas de clientes exigentes, vários deles, artistas da Rádio Nacional. Minha mãe possuía apenas o curso primário, incompleto, mas lia com desenvoltura e era muito organizada. Sua letra era perfeita e sua caderneta registrava sua produtividade e os seus ganhos diários. Recordo-me que no final do mês, íamos à mercearia do Sr. Amadeu, e este somava a conta da caderneta que era paga religiosamente e o brinde que recebíamos era sempre uma lata de goiabada ou uma lata de pêssego em calda. Logo em seguida, fazíamos a compra para o mês seguinte.
Passávamos apertado, mas nunca passamos fome.
No retorno às aulas, eu e minha irmã, em nossa inocência, não víamos a hora de entregar a lista de material nossa mãe.
Ela apanhava silenciosamente a relação do material escolar e ficava absorta, talvez avaliando como faria para adquirir aquilo tudo. Com a brevidade possível ela trazia todo o material, encapava os cadernos e colocava as etiquetas que eram afixadas com goma arábica. Trago bem vivo na memória que num final de ano, sem poder me dar uma roupa nova, ela desfez um tailleur de tweed e o transformou em uma linda calça para mim. Essa era minha mãe, sempre se sacrificando em prol dos filhos.
Meu pai, infelizmente, foi vencido pelo álcool e ainda que fosse uma ótima pessoa fora da bebida, não levava uma vida normal. Passava o dia todo no boteco. Além disso, foi acometido por um câncer na boca e, minha mãe, que trabalhava incansavelmente durante o dia e à noite limpava a casa e cuidava dos afazeres domésticos, passou a atuar como enfermeira, aplicando injeções de morfina e ministrando a medicação passada pelo médico do Hospital do Câncer (Fundação Antônio Prudente).
Antes do nascer do sol ela já estava de pé para preparar a refeição que levaria em sua marmita e que deixaria para nos alimentarmos em casa. Num certo dia de fevereiro de 1961, minha irmã caçula brincava com outras crianças e fazia uma limonada. O limão escorregou e Roseli tentou apanhá-lo apoiando-se sobre a tampa do poço que estava em falso. Ela projetou-se cisterna abaixo e bateu contra os tijolos que circundavam o poço. Foi retirada sem vida. Mamãe foi chamada, mas obviamente falaram que ela precisava vir imediatamente que minha irmã estava doente.
Quando ela se aproximava de casa, um mascate que a conhecia deu a notícia de uma forma imprudente e precipitada: __ Sinto muito dona Tica, sua filha está morta.
Nem me perguntem com que força ela conseguiu chegar até nossa humilde casa. Meu pai, chegou do Hospital do Câncer, mas já não falava mais, pois o câncer havia corroído a sua língua e já alcançara a parte inferior do queixo exigindo que se trocasse diariamente uma bandagem naquele local. Ele não tinha forças mais e me recordo como ele chorava ao ver o corpinho inerte de Roseli, coberto por um lençol, estendido no quintal calçado de paralelepípedos. No dia 21 de abril daquele ano, pouco mais de dois meses após a morte de Roseli, meu pai também partiu. Minha mãe o tomou nos braços, pois ele batera no criado mudo revelando que precisava de algo. Ele, nos braços de minha mãe, fez o tradicional gesto de tchau e expirou.
Minha mãe foi bombardeada por tragédias, mas nunca perdeu a doçura. Ela ainda encontrava motivos para cantar no coral da igreja nos domingos à noite e no percurso do trem até a estação Júlio Prestes, fazia lindas blusas de tricô, toalhas de crochê e conversava com suas amigas de condução.
Como gostaria de tê-la junto a mim.
Gostaria de dar-lhe não uma compensação, isso seria impossível, mas queria sim, propiciar momentos de carinho e felicidade, mas ela já está muito feliz, pois está com Deus e nesse ano faz 30 anos que ela se foi. Sou grato a Deus pela vida de minha querida mãe que não é nome de escola, rua ou avenida, mas para mim, está ao lado de Ana Nery e tantas outras heroínas que o mundo já conheceu.
Carlos Souza
Enviado por Carlos Souza em 06/03/2012
Alterado em 06/03/2012