Carlos Roberto - CRS Palestrante
A vida, os sentimentos e impressões em prosa e verso
Textos
MÃE ANÔNIMA
 

O mármore frio como sempre e o silêncio rompido apenas pelo movimento do legista e de seu auxiliar e, ainda,  pelo som dos instrumentos da necrópsia aplicados sobre o morto recém chegado.

O corpo inerte revela uma vida ceifada no pleno vigor da mocidade.

Na ante-sala o ruído de sandálias baratas em passos relutantes cessam.

Uma pequena olhadela e o médico legista vê uma senhora que aparenta mais que a idade cronológica. Semblante triste, rosto enrugado, olhos desesperançados e fixados na cruz suspensa na parede como que rogando a ajuda divina.

O legista passa a mão na fronte suada,  olha para a mulher e finalmente pergunta:

___ É seu parente?

___Sim, ela responde, é meu filho.

___Meus sentimentos diz o médico.
Em seguida, o profissional arranca algumas palavras de seu âmago para tentar confortar aquela mãe lutadora que ainda trabalha fazendo faxina em casa de família e cujo marido há muito desapareceu deixando para trás uma criança e uma mãe desamparadas.
Mas a vida deve seguir e o legista retorna à sala de necrópsia, olha para o cadáver e anota em sua prancheta: traumatismo crânio-encefálico causado por agente perfuro contundente (arma de fogo) e hemorragia intra-craniana, etc.

A senhora, orientada a providenciar o  sepultamento e a preencher a burocracia do reconhecimento para a liberação do corpo e sai dali com o coração apertado e os olhos sombrios já sem lágrimas para derramar.

É noite, e no velório, a sala vazia registra um soluço quase inaudível da única guardiã daquele corpo inerte metido num caixão de terceira categoria.

Meus sentimentos, mãe anônima
Carlos Souza
Enviado por Carlos Souza em 17/01/2008
Alterado em 14/08/2015
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